sexta-feira, 26 de outubro de 2007

RITUAL

Ouça. Pousa um copo de vidro no chão de madeira. A taça entre dois corações de vidro sentados na cama. Ela, vidro moído, gosto de vômito na boca, cospe na taça. A deposita no chão, num gesto de passagem. A ele. Vidro colado, vício entre os dedos, traga maquinalmente, depositando a cinza no copo. Ouça. Por vezes o copo não vai ao chão, dançando das mãos dele às dela, alternando entre esta resignação e aquela. Ouça. A cidade no silêncio da madrugada de sábado e essa conversa ensurdecedora através do copo. Ela cospe na cinza. Passa-lhe o copo. Ele bate o cigarro na borda. Como se com a cinza quisesse enterrar as humilhações dela. Som da taça de vidro no chão de madeira. É de um eco tão alto. De um quarto dentro de um apartamento dentro de um aglomerado de gente e luzes, a cidade, dentro de um outro aglomerado maior e outro até que se descubra o fim. A cidade ouve o cigarro que ouve a cidade na boca do copo. O cuspe calado na boca da noite transborda os bueiros. Nenhum vivente pode dormir nessa hora. Porque o ruído dos corações de vidro é uma enxurrada de silêncio que acorda e carrega. Sentados na cama, jaquetas de couro, calos nas almas, cuspe e cinza carícias depositadas no copo nesse absurdo diálogo, nesse perfeito entendimento. Ela respira vômito e de tudo o que não conseguiu expelir, junto com o vinho tenta, aos poucos, livrar-se cuspindo no copo. Cuspe dela. Copo no meio. Cinzas dele. Não do cigarro que bate sistemática e inexoravelmente. Mas cinzas do morto de dentro dos óculos, de dentro das estrelas, cinzas do morto que o habita. Ela cospe a cinza inanimada, como se com a saliva quisesse fazer voltar o vidro à vida. Madeira no chão de vidro, vidro nas mãos de cêra. Por um instante que ninguém percebe, já não se diferenciam noite e dia, cuspe e cinza, homem e mulher, tudo tudo nesse sistema confunde-se. Ele sente o vômito na boca. Ela a fumaça no peito. Foi o silêncio, o silêncio responsável por todos os milagres. E dentro do copo uma criaturazinha se forma, com garras em ganchos, orelhas pontudas, escamas na pele, 3 fileiras de afiados dentinhos. Rostinho tão diabólico, risadinha tão macabra. Amor, o bichinho capaz de corroer os corações de vidro.

domingo, 14 de outubro de 2007

poemasemnome

No teu cheiro há uma viagem de balão para um céu com nuvens de
algodão doce
E pétalas de chuva.
Tuas mordidas são bilhetes do metrô para o paraíso
De que compro só idas.
Tua chupada me eleva a um mundo em que somos vapores de música
Acres e quentes.
Da tua saliva águas de lascívia entram-me pelas mucosas
águas da tua saliva que meu desejo fazem borbulhar.

No teu olhar há tiros de metralhadora
Além de arpões envenenados com gosto do teu sêmen, com cheiro do
teu sexo, com sons dos teus gemidos
E assim me abates
E assim me deito ao teu lado
Para essa morte inesperada da minha lucidez.

Me toca entre os dedos faz-me teu cigarro
Me traga até que eu envenene teus pulmões e tua alma
Me bebe, faz-me tua cachaça, teu vinho, teu whisky barato
Quero te tontear te embriagar te enrolar a língua
Te dar idéias geniais.

Afunda-me afoga-me no poço do vício em que me enredaste
E ri.
Refúgio essa risada a sair da tua boca, embriagar os mosquitinhos no ar
Que sob teu comando, vêm me picar
vetores dessa paz desassossegada
De sumir comida em tua boca, sumir te cravando as unhas
Caroline sumir da face da Terra
Na Terra não procurem nessas horas
Enquanto me comes
Estarei pra lá de todos os mundos possíveis
Nas entranhas dos fractais que não são visíveis
senão no arrepio de quando me fazes gozar.